“O novo consumidor está interessado em experimentar proteínas alternativas, quer saber como as empresas cuidam do resíduo e se fazem reciclagem, exige rastreabilidade plena, valoriza cadeias curtas e não aceita mais processos que não priorizem o bem-estar animal”

Muitos dos que vão fazer turismo em Recife, Pernambuco, desconhecem que ali está disponível para visitação a sinagoga mais antiga das Américas. Localizada no centro antigo da cidade, ela foi fundada na primeira metade do século XVII. Portanto, há quase quatro séculos. Dali, saíram os judeus que decidiram ir para os Estados Unidos, mais especificamente para fazer uma cidade que um dia seria chamada de Nova York. Não deve ter sido tarefa fácil, pelo que é descrito no excelente filme Gangs de Nova York, dirigido por Martin Scorcese, ganhador do Oscar de melhor filme e que teve Leonardo de Caprio e Cameron Diaz como atores protagonistas. O filme retrata a disputa entre grupos naquilo que era uma sociedade em organização, dominada pelos grotescos irlandeses.

Eu me lembrei deste filme quando passei próximo da Sinagoga em Recife, mês passado. Eu estava a caminho do Centro de Convenções em Recife, para falar sobre os desafios da Qualidade do Leite no Brasil. O motivo da lembrança é que o filme mostra, durante todo o tempo, os conflitos de posições de grupos. Mas as últimas cenas retratam as tropas oficiais americanas chegando para implantar uma nova ordem. E aquele ambiente em permanente conflito de grupos é engolido pelo tsunami militar. Quem não se submeteu aos novos tempos desapareceu.

Pois é este o cenário que vejo para a questão da qualidade do leite no Brasil. Este debate a respeito do que é factível em relação ao que prescrevem as INs 76 e 77, ou se é justo socialmente fazer exigências para produtores e laticinistas pequenos, tudo isso está superado. Há um tsunami chegando, muito maior que os conflitos que hoje tomam o tempo de boa parte de membros desta cadeia produtiva sobre o assunto qualidade. Vai engolir quem não se preparar. A sirene já tocou. Alerta vermelho! Não há tempo a perder.

Todos se assustaram quando a Ambev entrou no mercado de leites vegetais e investiu naquela propaganda que dizia “dê férias para as vacas”. Parecia uma agressão isolada. Mas logo depois marcas menores começaram a tomar espaço, com iogurte vegano, queijo vegano que rala e derrete, bebida láctea vegana. Vale a pena conhecer a marca Vida Veg, uma das que o consumidor dispõe no mercado. O equivalente a um litro de iogurte vegano é vendido no varejo a R$ 20,00. E esse mercado não para de crescer. Cabem mais empresas, e as que existem podem aumentar a produção, sem que o preço final caia. É que existe um novo consumidor com perfil não tão radical. Ele é o chamado flexitariano, ou seja, ele aceita consumir proteína animal, mas cada vez mais incorpora na sua dieta produtos vegetais com sabor de produtos de origem animal.

Ameaças maiores estão por vir. É chamada de Unicórnio a startup cujo valor de mercado rompe a barreira de U$1 bilhão. A startup chilena NotCo. tem tudo para ser a primeira a se tornar Unicórnio no setor de produção alimentos na América Latina. Ela ficou famosa por ter lançado uma maionese sem ovo. E recebeu um aporte US$ 30 milhões de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, dono da Amazon e também da WholeFoods, uma rede de supermercados americana, que vai distribuir os novos produtos da startup, ou seja, o NotMilk (não leite), NotCheese (Não queijo) e o NotYogurt (Não iogurte). Por trás de tudo isso está o Guiseppe, o nome que deram ao software que usa inteligência artificial para encontrar, em uma base de dados moleculares de mais de sete mil plantas, a fórmula ideal para se produzir comida a partir delas. A NotCo. estará no mercado americano e brasileiro até meados do ano que vem.

Existe outra startup que merece também muita atenção. Perfect Day é a americana que lançou o leite sintético. Portanto, nada de vaca nem plantas. Enquanto a NotCo. usa inteligência artificial para encontrar a exata combinação de vegetais que seja idêntica ao leite, a Perfect Day aplica um processo que não é à base de arroz, amêndoas, coco ou avelãs. A empresa afirma que a água é 98% da sua composição. O resto é um cruzamento entre bioengenheria genética e técnicas de fermentação tradicionais, como fazer cerveja artesanal, por exemplo. Em julho agora, a empresa lançou o primeiro sorvete sintético do mundo, que se une a outros dois produtos da empresa, ou seja, o leite com 2% de gordura e o queijo brie.

O que move todas estas novidades é o novo consumidor, que está muito mais exigente. Ele está interessado em conhecer a pegada de carbono de cada produto, experimentar proteínas alternativas, quer saber como as empresas cuidam do resíduo e se fazem reciclagem, exige rastreabilidade plena, valoriza cadeias curtas e não aceita mais processos que não priorizem o bem-estar animal. Este consumidor cria, então, a demanda por um novo produto, feito por novos processos. Por outro lado, a nova realidade tecnológica permite criar novos produtos tecnológicos por meio de inteligência artificial. E isso vai impactar o nosso setor, colocando-o em risco. Que alternativas temos? Aguarde um pouco e direi. Volto aqui no próximo mês.

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